A poesia pode ser high tech
Alguém de voz impostada, com um velho livro na mão, declamando longos poemas épicos ou trágicos sonetos de amor. Essa costumava ser a cena lembrada quando o assunto era sarau. Mas, certamente, não foi o estilo do que aconteceu durante o ArteForum, quando a sala…
Alguém de voz impostada, com um velho livro na mão, declamando longos poemas épicos ou trágicos sonetos de amor. Essa costumava ser a cena lembrada quando o assunto era sarau. Mas, certamente, não foi o estilo do que aconteceu durante o ArteForum, quando a sala Vianinha/Escola de Comunicação da UFRJ ficou lotada pelo público para o Sarau de Avatares e Heterônimos. Na plateia, nomes como Heloísa Buarque de Hollanda assistiam atentos à união cênica entre literatura, tecnologia e teatro. Contracenando com as próprias imagens projetadas em três telas, jovens e talentosos escritores cariocas falaram seus poemas e contos em uma interessante confusão, tão pertinente à atualidade, entre a analógica presença física e nossos fantasmas virtuais.
O primeiro a entrar em cena foi o escritor, cantor e compositor Ismar Tirelli. Em um poema quase metalinguístico sobre a construção do Sarau, convidava o público a embarcar naquela experiência única. Depois, foi a vez da escritora Betina Koop, que fez uma intervenção mais performática, usando um vestido de papel e interagindo com vídeos que alternavam atuações de leitura e pintura. As entradas e saídas dos autores eram entrelaçadas por projeções de trechos de filmes, como o clássico Gilda, quando Rita Hayworth seduz a todos com a canção Put the blame on mame.
Música, aliás, foi o que também não faltou no evento. Quando o jornalista, poeta e cantor Márvio dos Anjos entrou no palco, algo parecia errado com o sistema de som, que não funcionou por alguns instantes. Mas o breve momento de pane foi suficiente para Márvio mostrar seu talento como cantor, em um improviso que surpreendeu a plateia. No entanto, as melodias escolhidas passaram muito longe do estilo glam rock da banda Cabaret, da qual é vocalista. Foi com peças de ópera que o artista arrancou aplausos e risos do público.
Passado o imprevisto, o poeta encenou junto à exibição de um vídeo no qual, andando pela cidade, ele foi construindo um poema que tratava do processo de criação literária, com suas angústias e inquietações. Logo em seguida, o jornalista, ator e escritor Ramon Mello, declamou, ao lado de um antigo toca discos e em meio a projeções fotográficas, algumas poesias do livro Vinis mofados, do qual é autor.
A escritora e roteirista Cecilia Giannetti deu continuidade à serie de performances com trechos de contos autorais intercalados com vídeos, nos quais atores encenavam pequenas histórias. E, para fechar a noite, o escritor e músico João Paulo Cuenca fez um solo de guitarra, interagindo com a própria voz que saia do aparelho de som, dizendo fragmentos de textos produzidos por ele.
A experiência da poesia falada vem resistindo e ganhando novas formas no cenário atual. Um exemplo é o CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética), organizado pelo poeta Chacal há 20 anos, que todas as últimas quartas-feiras do mês realiza performances poéticas, unindo vários estilos de arte em torno da palavra. Mas a novidade apresentada no ArteForum foi a ligação intrínseca com a tecnologia, cada vez mais presente nos novos meios de fazer literatura. Conectado com o presente e o futuro, o Sarau ficou na fronteira entre o espectro virtual e uma quase artesanal presença, na qual talvez a palavra possa ser ainda mais contemporânea.
ANA BEATRIZ PESSANHA
Estagiária de Jornalismo FCC/UFRJ
Edição: Zilda Martins