A visão da loucura através da cultura


O II Fórum de Interface entre Cultura e Saúde Mental reuniu nos dias 11 e 12 de agosto, no Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub), psicanalistas, professores, psiquiatras, estudantes e pacientes da própria instituição para apresentações e debates sobre formas de expressão ­–utilizadas nos tratamentos…

O II Fórum de Interface entre Cultura e Saúde Mental reuniu nos dias 11 e 12 de agosto, no Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub), psicanalistas, professores, psiquiatras, estudantes e pacientes da própria instituição para apresentações e debates sobre formas de expressão ­–utilizadas nos tratamentos de doenças mentais. Para explicar a temática, os palestrantes utilizaram o estudo de personagens cinematográficas que sofrem de algum transtorno mental e pesquisas sobre o discurso psicótico e a sexualidade dos doentes.

O evento começou com a conferência Nize da Silveira: Interseções entre Arte, Cultura e Loucura, proferida pelo professor José Otávio Pompeu (UFRJ), e teve continuidade com a exibição de Dá Pra Fazer (Si Puo Fare), do italiano Giulio Manfredonia. O filme, que mostra como foi iniciada uma reforma na Psicologia moderna, no final dos anos 70, com o objetivo principal de propiciar a interação e o contato entre os doentes, foi seguido de um debate mediado pelo professor e psiquiatra Otávio Domont Serpa Jr. (Ipub/UFRJ). Alguns dos atuais usuários dos serviços do Instituto (nova terminologia para classificar os pacientes), como Demétrio, participaram com depoimentos, discutiram as medidas tomadas no filme – e que estão em prática nas imediações do Ipub –, e compartilharam experiências e eventos.

Em tratamento há mais de dez anos, Demétrio afirmou que “é fundamental essa ligação entre nós, os pacientes, pois isolar os doentes só os mantêm doentes. Isolando-os da sociedade é impossível que eles progridam em seu tratamento e acabam por ficar apenas ocupando um espaço dentro de um hospital psiquiátrico. Eu já tentei suicídio três vezes, passei por momentos terríveis em minha vida, mas com esse trabalho realizado no Ipub (similar ao do filme) eu quase não tenho mais crises e posso voltar pra casa todo dia sem o menor problema.”

A tarde do primeiro dia continuou com uma mesa-redonda sobre loucura e cinema. Um dos debatedores, o psiquiatra e professor Elie Cheniaux, explicou que fez do cinema, devido ao “caráter lúdico” deste, sua fonte de estudo. No livro Cinema e Loucura: Conhecendo os transtornos mentais através dos filmes, do qual é coautor, são analisados personagens de 184 obras cinematográficas com algum tipo de transtorno mental. Cheniaux estudou os filmes Como se fosse a primeira vez, Uma mente brilhante, Um corpo que cai, Sede de viver e observou sintomas de amnésia anterógrada, esquizofrenia, transtorno bipolar e estresse agudo nos personagens principais. Para o professor, os “personagens de filmes clássicos e modernos ajudam os leigos a conhecer e a compreender os transtornos mentais.”

Em Como se fosse a primeira vez, Lucy – interpretada por Drew Barrymore – sofre de uma síndrome fictícia. Cheniaux e J. Landeira-Fernandez diagnosticaram a personagem com amnésia anterógrada, cujas características são inverossímeis e romantizadas no filme exatamente para haver história. Na vida real, o indivíduo que sofre desse tipo de amnésia tem dificuldade ou incapacidade de se lembrar de eventos recentes, mas consegue, quase que perfeitamente, lembrar-se de eventos ocorridos antes do trauma cerebral.  Saiba mais sobre as relações entre loucura e cinema assistindo à entrevista com o professor Elie Cheniaux em http://www.youtube.com/watch?v=DkesNSZBxg0 .

A psicanalista Tânia Rivera, também debatedora da mesa-redonda, defendeu que “o cinema é meio louco”, pois permite a observação das cenas em diferentes ângulos. O olhar não é estático como em uma fotografia. “Esse olhar móvel do cinema o torna esquizofrênico”, afirmou Rivera. Além disso, com sensibilidades e histórias particulares distintas, cada um vê e compreende da sua forma.

Linguística e saúde mental

No dia 12, a mesa-redonda Loucura e Literatura contou com a presença do médico e poeta Alfredo Schechtman, que introduziu a discussão sobre escritor brasileiro Qorpo Santo e questões sobre o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. O professor de Letras da UFRJ, André Bueno, apresentou a obra de Torquato Neto, autor romântico da Tropicália, “um visionário” que chegou ao fim da vida aos 40 anos, vítima do álcool e da depressão.

Completando 15 anos, o Clube da Esquina foi a atração seguinte. O programa foi apresentado pela presidenta e pela coordenadora do projeto, Eliud Guerreiro e Adriana Machado, respectivamente. Em seguida, o coral dos internos do Ipub se apresentou sob a regência de Vandré Matias Vidal e encerrou as atividades da manhã.

Ainda no segundo dia, aconteceu a apresentação dos trabalhos de lingüística, da professora Marci Doria Passos e da linguísta Branca Maria Telles Ribeiro. Com o intuito de auxiliar no tratamento de doenças mentais, as especialistas criaram um núcleo de pesquisa com foco no discurso psicótico e na coerência narrativa. O objetivo era construir um referencial e desenvolver um processo de contextualização do discurso do paciente e do médico.

Procurar compreender as necessidades e expressões dos pacientes foi também a preocupação do enfermeiro Cláudio Gruber Mann. Por meio do Prissma (Projeto Interdisciplinar em Sexualidade, Saúde Mental e Aids), são abordadas questões e dilemas diários dos profissionais de saúde mental com relação à prevenção e assistência de doenças sexualmente transmissíveis nos pacientes psiquiátricos com transtornos mentais. Nessa área, existem divergências e polêmicas. Há oito anos, por exemplo, no Ipub, as enfermarias eram divididas não por sexo, como é atualmente, mas em enfermarias de portas abertas e fechadas. Assim, segundo os próprios pacientes, as relações sexuais eram recorrentes e, por isso, muitos pediam para ficar internados na instituição.

Após as apresentações, no aberto espaço para perguntas e debate sobre os temas, alguns pacientes que participavam do Fórum manifestaram suas opiniões e tiraram dúvidas com os palestrantes.

Isabella Catão e Luis Felipe Sá
Estagiários de Jornalismo

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