Brasil ainda busca sua independência por via da educação
Comemoração do bicentenário da independência na UFRJ debateu o papel da universidade na superação de vulnerabilidades do país
O projeto de um Brasil independente só será concluído com investimento em educação, ciência e tecnologia de qualidade e um maior número de jovens nos bancos do ensino superior. Sob essa perspectiva crítica, especialistas debateram na noite da última quinta-feira (15/9), no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Praia Vermelha, o papel das universidades para o futuro do país. A mesa, que reuniu as reitoras Denise Pires de Carvalho, da UFRJ, e Joana Angélica Guimarães da Luz, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), além da presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, do presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima, e do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine, integra o evento Bicentenário da Independência e os rumos do Brasil, promovido este mês pelo Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.
Durante o encontro, aberto pela reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, e mediado pelo curador do evento, Luis Fernandes, os participantes traçaram um presente preocupante, com cortes de verbas para ensino e pesquisa nos últimos anos e a consequente asfixia das instituições públicas. Denise Pires de Carvalho ressaltou que, mesmo sem diminuição na oferta de vagas nas universidades, houve uma redução, em 2021, de 60% no número de matriculados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), na comparação com 2015.
Para ela, o Plano Nacional de Educação, com metas longe de serem cumpridas até 2024, foi abandonado, e as universidades são alvos de um ataque, que ameaça o futuro do Brasil, além de serem a única chance para jovens brasileiros conquistarem a tão almejada mobilidade social.
Nós estamos, sim, polarizados: entre aqueles que querem o Brasil soberano e aqueles que querem que o Brasil permaneça como colônia de exploração. E as instituições públicas de ensino, ciência e tecnologia fazem parte do grupo que quer construir um Brasil verdadeiramente independente, e nós vamos continuar lutando por isso -, destacou a reitora, dizendo que hoje há uma “evasão de cérebros” para países que passaram a aplicar mais dinheiro em ciência, ao contrário do Brasil.
Eles sabem que todo dinheiro investido em ciência, tecnologia e inovação se multiplica, traz emprego, renda e desenvolvimento. Infelizmente, o Brasil vem se equivocando progressivamente e assustadoramente. Precisamos retomar um projeto que inclua nossos jovens, independentemente de etnia, gênero e orientação sexual, que inclua todos os que querem e devem ter acesso aos bancos do ensino superior. Sonho com um Brasil que queira colocar pelo menos 50% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. E o Brasil pode fazer isso, basta investir em educação, afirmou a reitora da UFRJ.
Lei de cotas é um avanço, mas desafio é refletir sobre a contribuição dos jovens para as universidades
A reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia lembrou que a lei de cotas foi implementada somente dez anos antes do bicentenário da Independência do Brasil e que uma grande parcela da população ainda não conhece as universidades, vistas como algo distante de suas realidades. Joana Angélica arrancou aplausos ao contar um pouco de sua história, como primeira pessoa de uma família numerosa a chegar ao ensino superior e a encarar o ambiente intimidador da academia.
Essa sociedade que está nas periferias não vê a universidade como algo que lhes pertença. A universidade não é algo que faça sentido na vida delas, não está no seu horizonte. Precisamos pensar a forma como a gente lida com esses jovens que começam a chegar à universidade. Aquela discussão que tivemos na criação da lei de cotas, se essas pessoas teriam condições de chegar à universidade, é uma discussão ultrapassada. O que precisamos discutir hoje é o quanto esses jovens que vêm das periferias trazem de contribuição para a universidade. Precisamos pensar sobre que ensinamentos elas têm a nos dar em relação a esse mundo que a gente não conhece, que a classe média brasileira não conhece, disse Joana Angélica.
Questão de gênero ganha destaque
O debate foi aberto com uma apresentação do grupo musical da UFRJ Sôdade Brasilis e da Companhia Folclórica do Rio-UFRJ. Christine Ruta, coordenadora do Fórum, antes de dar a palavra aos participantes da mesa, destacou que presença de Denise, primeira mulher a ocupar a cadeira de reitora da UFRJ, de Joana Angélica, primeira reitora negra eleita para comandar uma universidade federal no Brasil, e de Helena Nader, primeira presidenta da Academia Brasileira de Ciências, é uma oportunidade para reflexão:
Sabemos que a maioria dos altos cargos ainda não são ocupados por mulheres e que há muitas áreas na ciência e tecnologia ainda não ocupadas por mulheres. E sabemos ainda que a violência doméstica no nosso país continua forte, que inúmeros estupros permanecem em silêncio e na impunidade. É urgente e necessária na nossa comemoração dos 200 anos essa nossa reflexão, se progredimos, regredimos ou estamos estancados no mesmo lugar quando se trata de questões de gênero, destacou Ruta.
O papel da universidade na competitividade do país
Para a presidenta da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, não há motivos para celebrar os 200 anos da Independência. Ela, que considera o Brasil um país ainda eurocêntrico e sem política de estado na educação, é, no entanto, otimista: Helena diz que as universidades brasileiras têm pela frente o grande desafio de ajudar o Brasil a retomar o rumo e a se tornar altamente competitivo.
Acredito na resiliência, acredito no país. O Brasil foi pioneiro há 50 anos na primeira discussão sobre meio ambiente, na Conferência de Estocolmo. O Brasil fez acontecer a Agenda 2030 da ONU. Nós temos que mostrar isso para os nossos jovens. Esse país sofreu um solavanco, a estrada ficou ruim, mas juntos vamos reconstruir e vamos exigir políticas de estado e o cumpra-se a Constituição, afirmou Nader.
Ciência e tecnologia se destacam na pandemia e precisam de investimento
De acordo com Jerson Lima, da Faperj, a reconstrução das instituições de ensino, ciência e tecnologia exige pressa e que hoje o país vive uma “diáspora silenciosa” de talentos. Ele ponderou que, apesar do decréscimo de recursos federais nessas áreas durante a pandemia, as universidades mostraram que praticam uma ciência de ponta, liderando o processo de combate à Covid-19:
A pandemia mostrou a força que tem a ciência no estado do Rio de Janeiro. A UFRJ não parou um dia – disse Jerson Lima, frisando a importância do financiamento permanente de pesquisas para o avanço da ciência e do país.
Renato Janine, da SBPC, alertou que o Brasil vive nos seus últimos anos o caminho da exclusão e que é preciso reverter, com a participação de todos, essa trajetória discriminatória. E citou o aquecimento global, a destruição da Amazônia e o risco de novas pandemias como desafios gigantescos à ciência nos próximos anos.
Para cada desafio, a resposta está na universidade – destacou Janine, associando também a universidade à melhora da economia brasileira, necessária para a recomposição das políticas sociais e para a entrada de estudantes das camadas mais pobres nas salas de aula das faculdades públicas. – Não há desenvolvimento econômico sem inteligência, completou Janine.