Por mais vozes e novas epistemologias: UFRJ lança Fórum Mulher

 

De 21 a 27 de novembro, aconteceu o Fórum Mulher – ou simplesmente Fórum M – evento criado para fortalecer o pensamento feminista em espaços abertos, gratuitos e democráticos, promovendo o debate em universidades e pontos estratégicos do centro e das periferias do Rio de Janeiro. O lançamento do evento aconteceu na última quinta (21/11), no Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e contou com a presença da ativista feminista Yuderkys Espinosa Miñoso (foto), referência nos estudos do feminismo decolonial.

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Por Victor Terra

De 21 a 27 de novembro, aconteceu o Fórum Mulher – ou simplesmente Fórum M – evento criado para fortalecer o pensamento feminista em espaços abertos, gratuitos e democráticos, promovendo o debate em universidades e pontos estratégicos do centro e das periferias do Rio de Janeiro. O lançamento do evento aconteceu na última quinta (21/11), no Fórum de Ciência e Cultura (FCC). O órgão é um dos que promovem o evento, em parceria com o Laboratório de Teoria e Práticas Feministas do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) e o #AgoraÉQueSãoElas, um dos mais importantes polos do ativismo feminista da web.

A convidada da noite foi a pesquisadora e ativista feminista Yuderkys Espinosa Miñoso, referência nos estudos do feminismo decolonial. Interessada nas práticas e organizações feministas na América Latina, a dominicana falou sobre a necessidade da despatriarcalização e o lugar objetificado e subalterno que a mulher latino-americana ainda ocupa no imaginário coletivo global, tanto em países do eixo norte quanto do eixo sul – como no caso do continente sul-americano. “Trazer a Yuderkys nesse momento de barbárie e de tanta colonialidade do poder, do ser e do saber, para nós é muito importante”, afirmou Mary Garcia Castro, socióloga feminista e atualmente professora visitante do IFCS e membro da Faculdade Latino Americana de Ciencias Sociais (FLACSO). 

Espinosa também comentou sobre os desafios e as estratégias necessárias para a construção de novas epistemologias, desvinculadas das perspectivas patriarcais europeias e ocidentalizadas, que ainda imperam como discurso dominante. 

Lançamento do Fórum Mulher 

 FCC5661Da esq. p/ dir.: Tatiana Roque, Heloisa Buarque de Holanda, Yuderkys Espinosa Miñoso, Mary Garcia Castro e Beatriz Resende

Antes do debate, que aconteceu em formato de roda de conversa, a organização do evento apresentou as diretrizes do Fórum M, que irá funcionar como espaço não apenas de discussão, mas de produção de novas estratégias e ações no campo dos estudos de gênero, tanto na dimensão acadêmica quanto na sua aplicação para além dos muros da universidade. 

“A ideia do Fórum M é ser uma atividade mensal de encontro. Discutir o país e principalmente a universidade. A questão da mulher na universidade e, principalmente, a produção de conhecimento das mulheres na universidade”, explicou Heloisa Buarque de Holanda, professora da Faculdade de Letras. Ela lembrou que a universidade brasileira é ainda muito colonizada: “quase todos os autores que lemos são franceses ou americanos. Queremos poder pensar outras epistemologias”, defendeu Heloisa, que é uma das coordenadoras do projeto. 

Já Tatiana Roque, coordenadora do FCC, deixou clara a intenção de fazer do órgão um espaço de integração entre as diferentes áreas da UFRJ. “A ideia é que iniciativas como essas se ampliem e que a gente possa trazer outros grupos, de outras áreas, de humanas, exatas, de diferentes campi, e que isso possa se conectar aqui no Forum de Ciência e Cultura”, disse.   

De fato, o FCC será a base do Fórum M que, no entanto, pretende ser itinerante. “A gente vai a outros lugares, para livrarias, para a Maré. Vamos ser um pouco nômades, para atingir locais que às vezes ficam fora do circuito”, explicou Heloisa. 

Yuderkys Espinosa Minõso: a voz do feminismo decolonial 

Yuderkys Espinosa Minõso

Abrindo o ciclo de atividades, a escritora feminista Yuderkys Espinosa Miñoso trouxe como tema “A Astúcia das Condenadas: Hipersexualidade e a agência dos corpos negros no Caribe”. Natural da República Dominicana, Miñoso atua em diversos países da América Latina como professora e ativista do feminismo decolonial. Em mais de duas horas de conversa, a pesquisadora levantou questões instigantes e bastante úteis para pensar que lutas, disputas e saberes estão sendo produzidos pelos discursos feministas na América Latina atual. Confira alguns trechos:  

Disputas no espaço acadêmico 
“Originalmente nós, que nos entitulávamos feministas decoloniais, não éramos acadêmicas, mas mulheres vindas de setores populares, afrodescentes, mestiças e começamos a dialogar com o que se tem chamado de feminismo comunitário. A questão da produção de conhecimento se tornou um tema central para nós porque entendemos que não há possibilidade de uma prática política emancipatória para as grandes maiorias silenciadas que não impliquem uma reflexão sobre essa prática”. 

A ativista, que é oriunda da capital dominicana, Santo Domingo, explica que a produção de práxis política gera um discurso e que tal discurso “esteve sempre permeado por uma série de interpretações do social que deveriam ser postas à mesa para serem debatidas, a fim de que as práticas políticas melhorem”.

Por quem falamos e para quem falamos?
“A pergunta fundamental sempre foi: que tipo de política [feminista] precisamos para a emancipação?” A pensadora conta que desde o começo seus estudos têm como objetivo produzir efeitos práticos no mundo real. E, para isso, explica Miñoso, seria preciso antes atuar sobre a teoria. “Não poderíamos deixar a teoria, a produção de saber sobre o mundo às elites que sempre nos dominaram. Era necessário que nós nos apropriássemos das ferramentas intelectuais conceituais produzidas pela academia para poder debatê-las e aprofundar uma crítica radical, que nos permita produzir novas categorias e novo conhecimento sobre o mundo”. 

Segundo ela, as mulheres afrodescendentes, indígenas e oriundas de condições subalternas foram e ainda são ocultadas por uma dinâmica em que mulheres brancas têm o domínio do discurso. Um discurso homogeneizante, em que tais figuras privilegiadas se colocam como representantes da maioria das mulheres. Nesse sentido, a pesquisadora conta que foi preciso buscar novos territórios para encontrar outros discursos possíveis. 

“Foi necessário ir caminhando pelo continente e começar a fazer redes, buscar o que essas mulheres estavam dizendo. Qual era o saber que estavam dizendo as mulheres indígenas, as mulheres afrodescentes. Ver quais delas escreviam e, assim, poder publicá-las. Daí, surgiu essa ideia de publicarmos mulheres que nunca teriam a possibilidade de que sua voz fosse levada em conta”, conta . 

Espinosa compôs um breve quadro da conjuntura atual da América Latina. Lembrou que depois de 20 anos de uma virada da esquerda, o continente passa por uma época de desmonte e retomada da direita conservadora, liderada por representantes do neopentecostalismo. Ainda assim, a escritora enxerga potencial político para enfrentar o cenário, em especial no que diz respeito ao crescimento das frentes feministas. “O que aparece nesse momento é que a política feminista está muito ativa e isso mostra que demos um salto”, lembra.

 FCC5692 1Em roda, participantes acompanharam a fala de Espinosa, que foi seguida por debate

De que emancipação estamos falando?
Yuderkys deixou claro que um dos papeis do feminismo decolonial é pensar a produção de saber como chave estratégica para a instauração de novas práticas políticas. “Para nós a possibilidade de debater e pensar o mundo se torna uma tarefa fundamental para a política feminista. Acho que o feminismo decolonial vem para assumir em sua máxima radicalidade essa ideia e produzir sua própria epistemologia feminista. A possibilidade de uma interpretação mais adequada da dominação deveria vir de baixo para cima e não de cima para baixo”, explica. 

“O feminismo [hegemônico] sempre pensou que, na dita pirâmide social, as de baixo eram as mulheres, que elas estavam na base. Se tem uma mulher que está sustentando sobre seu corpo uma estrutura social e toda essa dominação, não é qualquer mulher. É uma mulher produzida dentro da colonialidade, produzida como não humana, como estando debaixo da linha da humanidade. É sobre a comunidade dessas mulheres racializadas que estão se mantendo as estruturas de dominação”. Nesse sentido, a feminista aponta ser preciso reverter o olhar ainda predominante sobre as mulheres afrodescentes e indígenas em especial. “É importante considerar esse sujeito como agente e não como absolutamente dominado. A tarefa de reconstruir as práticas de resistência é urgente”, completou. 

Nos dias 22, 25, 26 e 27, o Fórum M promoveu outras mesas de debate. Na quarta-feira (27), último dia de programação, houve o lançamento do Manifesto Decolonial e de dois livros sobre a temática do feminismo decolonial, que marcou esta edição do Fórum.  


Reportagem: Victor Terra 
Fotografia: Bira Soares

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