“Precisamos criar pontes, oferecer as estruturas necessárias para envolver alunos, professores e a própria sociedade”

Adriana Schneider, professora do curso de Direção Teatral da ECO, fala sobre os desafios da Superintendência de Difusão Científica e Cultural (SUPERDICC), que assume em novembro, ao voltar do pós-doutorado na Alemanha.

Adriana Schneider, professora do curso de Direção Teatral da ECO, fala sobre os desafios da Superintendência de Difusão Científica e Cultural (SUPERDICC), que assume em novembro, ao voltar do pós-doutorado na Alemanha. [Até lá, a função continua sendo exercida pela Profª Patricia Dorneles, do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da UFRJ].

De lá, por Skype, a também atriz, produtora, diretora e dramaturga tem participado de reuniões do Fórum, conversado com os pares e se preparado para o cargo, que ocupa a partir de novembro. “A gente tem falado muito isso: a missão do Fórum de Ciência e Cultura é articular. É reconhecer os projetos que já existem e entender como criar pontes, oferecer estruturas necessárias, e envolver alunos, professores, a sociedade”, diz Adriana. É também nessa direção que ela enxerga como pode ser a atuação da SUPERDICC. A seguir, os principais trechos da entrevista: 

Quais são as diretrizes da SUPERDICC nessa nova gestão do FCC?

Nesse momento, eu preciso conhecer a estrutura, entender o que já foi feito, como são os projetos, a cara institucional deles, entender como uma máquina pública como a UFRJ se move. Estou fazendo esse estudo e conversando com as pessoas do Fórum, do curso de Direção teatral e quero poder conversar com todo mundo pra gente não ficar zerando, pegar o acúmulo do que já vem sendo feito. Conheci muito o outro lado do Fórum, como professora da Direção Teatral. A gente, da Direção Teatral, está muito envolvido nisso e sempre tivemos uma interlocução sobre políticas para a cultura. Minha sensação sempre foi assim: a UFRJ é imensa e o espaço para as Humanidades, de um modo geral, até em termos estruturais e infraestruturais, é muito distinto. É fácil ver isso: quando a gente anda no Parque Tecnológico, entra no prédio da Reitoria, tudo salta aos olhos. Então, a partir daí, já dá para ver que há um descompasso, que acaba sendo um microrretrato do que é essa realidade em outras instâncias no Brasil. Se o espaço das Humanidades é distinto, dentro deste campo, as artes são uma coisa menor e a direção teatral, menor ainda.

Sempre me espantava, quando conversava até com reitores e pró-reitores que às vezes nem sabiam do curso de Direção Teatral, que existe há mais de 25 anos, ou tinham uma dificuldade de entender que a gente faz pesquisa, produz intelectualmente. Tem um lapso do que são os cursos de artes na universidade. Na UFRJ, se faz uma discussão dos cursos de artes, mas não se faz uma discussão do ponto de vista do trabalho: que nós estamos formando trabalhadores da cultura, que implicam também professores, pessoas que vão atuar nos movimentos sociais ou não, e estamos formando artistas. A UFRJ forma artistas. 

Como as Artes podem ajudar a levar a Universidade para fora de seus muros?

Os cursos de artes têm uma relação com a cidade. É como se a gente fizesse extensão organicamente. O que os nossos alunos movem para fora da universidade, é bem incrível. E vejo que a UFRJ sempre teve muita dificuldade de enxergar esse lugar. Quem se propõe a entrar em qualquer curso de Artes, hoje, é porque deseja muito fazer isso. Esse é ponto que me move: a potência do que a UFRJ já produz e o que a gente pode, como UFRJ, fazer para oferecer melhores condições para o que as pessoas já estão fazendo. A gente tem que entrar numa outra frequência, de uso das redes sociais, de pluralizar as vozes. E tem que pulverizar, aproveitar formatos e linguagens da Comunicação e das Artes para criar canais interessantes para a difusão científica. Se a gente olha o que já é feito de extensão nos cursos de Artes, a gente pode aprimorar para poder melhorar nossa fala pra fora. 

Poderia falar um pouco sobre ações estruturantes que poderiam promover mais integração na Universidade?

No curso de Direção Teatral, o professor José Henrique Moreira [Professor de Direção Teatral e Iluminação Cênica na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Sistema Universitário de Apoio Teatral – SUAT/UFRJ], que é iluminador, foi montando, ano a ano, um super laboratório de iluminação, que, a princípio, ia servir ao curso de iluminação teatral e às aulas de iluminação. Mas o projeto cresceu, ele organizou de tal forma que hoje esse laboratório atende à universidade inteira. Ele fez a luz da posse da Reitora, o projeto de iluminação dos museus, coisas assim. E se a gente tem um lugar para ter acervo de figurino e cenário para toda a universidade poder utilizar? Não há uma central de produção na UFRJ. Se a gente tivesse um lugar para produzir pensamento sobre isso e botar a mão na massa seria um enorme ganho para os cursos de Artes, para os Garins (Grupos Artísticos de Representação Institucional), os Parins (Projetos Artísticos Institucionais) e para quem trabalha com cultura na Universidade. A gente não tem onde colocar acervo de cenografia e figurino. Ou seja, tudo o que é produzido de figurino e cenário nos cursos de artes é jogado fora porque não tem onde guardar. São coisas básicas. Também poderíamos ter uma central com cenotécnicos, costureiras, para que todos possam ser atendidos. Isso é uma coisa que atenderia a todos. A gente criaria de uma forma estrutural.

Outra questão importante é a utilização dos espaços ociosos da universidade, que é um tabu. Tem uma morosidade no sistema do serviço público que a gente fica com aqueles espaços estagnados, esperando licitação, e os espaços vão demorar anos para serem utilizados. E a gente, das Artes, quando olha um galpão no cimento, vê que aquilo é espaço para fazer residência. Qualquer lugar do mundo é assim. Se a gente consegue produzir um laudo para verificar a condição dos espaços e fazer reparos imediatos, sem esperar acabamento, dá pra fazer um programa de residência para que os cursos de Artes, Garins e Parins utilizem os espaços para fazer o que já fazem. 

Qual o papel do Fórum nesse cenário?

O Fórum é chave para que a gente possa trabalhar essa escuta interna, do que as pessoas já estão fazendo na UFRJ, e como a gente pode, mesmo sem dinheiro e com o que a Universidade tem, apoiar os grupos nessas ações imediatas. Acho que isso já é um trabalho.  A gente pode, por exemplo, organizar festivais internos para que essa produção de arte e cultura possa circular por todos os campi. É importante aprimorar os festivais e os trabalhos artísticos da Universidade, que precisam ter uma divulgação mais bacana, um tratamento menos amador. A Tatiana [Professora Tatiana Roque, coordenadora do FCC] tem falado muito isso: a missão do fórum é articular. É reconhecer os projetos e como a gente pode criar pontes, oferecer estruturas necessárias, se inspirar pra poder envolver alunos, professores e a própria sociedade. A gente também tem que botar a nossa rede, que se espalha pela cidade, para cruzar com a Universidade. Isso quer dizer que a gente pode virar parceiro de festivais, de circuitos de mostras de artes, coisas que já existem e que, exatamente nesse momento precário, estão sendo feitos pelas pessoas na raça. A gente pode disponibilizar a universidade como um lugar de articulação, de realização. E podemos criar laboratórios permanentes de criação de políticas públicas de modo a incidir nesse debate, com diagnósticos, com mais vozes. São coisas concomitantes pra gente poder voar com mais força. 

A trajetória de Adriana Schneider

Formada em Comunicação Social ­- Jornalismo pela PUC-­Rio (1994), Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC/­ UNIRIO (2001) e Doutora em Antropologia pelo PPGSA / IFCS / UFRJ (2007). Entre 2005 e 2006, Adriana Schneider fez parte do Doutorado, na Freie Universität, em Berlim. Agora, com bolsa da Capes em parceria com a Fundação Humboldt, voltou à Alemanha para aprofundar sua pesquisa sobre arte e fascismo. “Estou estudando uma forma popular tradicional de teatro de bonecos, que se chama Kaspertheater, que tem essas figuras clássicas, cômicas, meio anárquicas e que desafiam as esferas de poder, que existem em todas as culturas. Só que esse boneco, o Kasper, foi institucionalizado e apropriado como um dispositivo de propaganda durante o nacional socialismo, na Segunda Guerra. Estou estudando essa relação entre arte e fascismo, que acho que tem muita utilidade para nós, nesse momento. Ao mesmo tempo, estou aqui juntando as pontas de coisas que eu venho fazendo há muitos anos. É uma espécie de continuidade do que venho trabalhando nos últimos 20 anos”, explica.

Durante o Mestrado e o Doutorado, Adriana pesquisou formas populares de teatro e “a relação disso com modos de trabalho, tentando entender políticas para cultura popular”, conta Adriana, que também trabalhou no processo de registro do Teatro de Bonecos Popular do Nordeste Mamulengo, Babau, João Redondo e Cassimiro Coco como Patrimônio Cultural do Brasil. A partir de 2009, quando se tornou professora concursada da UFRJ, depois de ser substituta em dois momentos anteriores – 2004 e 2007 –, Adriana viu seu trabalho dar uma guinada. “Fui entendendo que o meu trabalho estava muito situado nessas relações entre arte, antropologia e política. Tudo o que venho fazendo desde então tem canalizado pra isso”. 

[Por Dentro do FCC] é uma série semanal de entrevistas que apresenta o Fórum e seus órgãos suplementares à comunidade universitária e à sociedade. Nelas, os participantes discutem os projetos e as expectativas de cada órgão para os próximo quatro anos de gestão.

Confira as edições anteriores da série: 

[Por Dentro do FCC] #1 Fórum de Ciência e Cultura, com Tatiana Roque 

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